segunda-feira, 27 de julho de 2009

um dia eu cresci
completei 18 anos, aprendi a dirigir
fui pra faculdade, começei a trabalhar

e agora?

queria voltar a ser criança
pra corrigir todos meus erros
e ter uma vida adulta diferente

queria aprender a amar

queria saborear a satisfação de ser amado
eu seria outra pessoa hoje
talvez nem estaria aqui escrevendo

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Vida.

O ar entra, e o ar sai
ganhamos segundos
que transformamos em anos
na medida do nosso ego.

quando pequenos, tudo parece tão grande
podemos dar a volta no mundo em meia hora
seremos deuses com 50 centavos no bolso
e um pouquinho de inocência na cabeça.

Estudamos o passado
pra tentar desvendar o futuro
aprendemos as letras, e os números
e juntamos em contas e frases intermináveis

conseguimos ver o infinito através de uma lentezinha
vemos também o infinitamente pequeno pela mesma lente
que o bicho homem criou
para outro bicho homem usar

mas tudo isso é fútil
uma vã tentativa de enganar a mestra de todos nós
a infalível Morte
que vai pegar todo mundo, sem exceção

alguns gostam de acreditar que tudo faz parte do plano
o esquete maravilhoso de uma entidade suprema
que lê os nossos pensamentos
e nos pune severamente

não existe o grande plano
a comida entra, sai a merda
é assim pra todo mundo
até que num dia

o ar não sai mais.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

A morte tem um narigão vermelho?

O quão irônico seria
se no momento de nossa morte
sentíssemos cócegas
ao invés de dor
assim, sempre morreríamos sufocados
pela própria risada
causada pela grande piada sem graça
que é a vida.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Um conto de tristeza

Um dia vagava eu pela rua, tentando achar a verdade. Não achei nada, como de costume, mas isso não vem ao caso no momento. Quando as pernas doíam, me sentei num banco de praça, pra descansar e continuar minha jornada depois. Um menino sentou-se ao meu lado, tinha roupas largas, uma camiseta azul e uma calça cáqui branca e sapatos gastos. Carregava um coração de chocolate, embrulhado num papel celofane vermelho, tinha marcas de dedo do menino e parecia bem antigo. Seu aspecto era um dos mais tristes que eu já vi, tinha um rosto lindo, cabelos castanhos, lhe desciam até os ombros, olhos azuis, vermelhos de tanto chorar, era alto e tinha os ombros largos.

-O que aconteceu, garoto? Recebi o silêncio como resposta, seu olhar parecia à beira das lágrimas

-Tem fome?

-Tenho sim, e sede também

-Se eu te levar pra comer e beber, você me conta o que aconteceu?

-Ã-hã

Levei-o até o boteco da esquina, o lugar parecia bem ruim, cheirava a malandragem e óleo de cozinha velho, o chão era escorregadio, não tinha nenhum cliente, atrás do balcão, uma infinidade de garrafas de bebida e um caixa (provavelmente o dono daquela espelunca), era gordo, carregava um pano amarelado, atrás dos óculos dele via-se um homem duro, sem sentimentos, que reconheceu o menino, mas não disse palavra alguma.

Pedi um P.F. qualquer e um refrigerante para meu companheiro e uma cerveja pra mim (também tinha fome, mas não ia comer naquele buraco...). Durante a espera, o menino não proferiu palavra, ficou sentado de lado na cadeira, de modo a não me encarar, eu esperei também, algo naquele jovem me intrigava, me era familiar, queria saber o que era.

Chegou a comida, num prato muito grande, duvidei que ele comeria tudo aquilo, um monte de arroz branco, uma poça de feijão aguado e um bife esturricado, de uma semana de idade. Tomei minha cerveja enquanto via ele atacar aquele monte de comida com voracidade, não acreditei que tudo aquilo de comida cabia naquele estômago diminuto. E cabia. Quando terminou, limpou os lábios com a manga da camiseta, soltou um arroto e me encarou.

-Obrigado, moço.

-De nada, que fome hein, campeão

-É, não comia a dias

-Agora me conta o que aconteceu.

-ah, sim. E tirou uma foto muito gasta do bolso, em cores, mostrava um bando de gente bonita (e rica, usavam roupas de grife) num sofá rosa, todos sorriam, mostrando seus belos dentes, que receberam tratamento caro, seus belos corpos magríssimos, mas que produziam merda, peidos e arrotos como qualquer um. Não confiava em nenhum daqueles rostos joviais e sorridentes. O menino me apontava um rosto de mulher, no fundo do sofá, abraçada com um homem careca, o menos confiável do grupo, mas a mulher que ele apontava parecia ter uns 15 anos, a mais bela da foto, cabelos louros, escovados e penteados, olhos verdes e nenhuma maquiagem, mas ainda era a mais bela.

-Foi ela que me deu isso aqui. E apontou o coração de chocolate.

-Qual é o seu nome?

-Junior

-Junior de que

-Alberto Junior de Freitas

-Você tem casa?

-Fugi, por causa dela

-Quantos anos você tem?

-Quatorze

-Por que ela te deu esse chocolate?

Então, ele começou a contar a história mais triste que já ouvi: eles estudavam juntos, estavam na oitava série, Junior não tinha amigos, ia todo dia sozinho para a escola, a pé. E Amélia (a menina da foto) morava perto, mas ia de carro com um grupo de outros estudantes, um deles era repetente e já podia dirigir. Junior sempre olhava para a menina, estudavam na mesma sala, mas ele nunca havia falado com ela, sentava duas cadeiras atrás dela, sentia seu suave perfume cada vez que uma lufada de vento passava, isso enchia o coração dele de alegria, algo que nunca havia sentido antes. Enquanto me contava, lágrimas se preparavam no fundo de seus olhos. Contou que cada dia, depois da aula a menina ia na casa do namorado, só voltava tarde, então ele ia até a roseira de uma velha da rua e pegava a rosa mais vermelha e cheirosa e colocava no batente da porta dela, fazia isso todo dia, e quando a roseira da velha acabava, ele procurava outra até a da velha voltar a dar flores, às vezes ele era pego, às vezes não. Então esperava ela chegar, escondido atrás de um arbusto, e via ela chegar, pegar a rosa e cheirar, só isso valia a semana pra ele.

E os dias de Junior eram assim, ele disse que era feliz daquele jeito, eu perguntei se ele não ressentia o fato de nem conhecer ela, ele disse que não importava, queria ver ela feliz, não importava que ela namorava, se ela gostava ou não do namorado dela, ele queria a felicidade dela, mesmo que por um momento, um segundinho do dia que seja.

Assim foi o verão de Junior, ver a amada cheirar a flor, dar um sorriso e entrar em casa. Um dia, ela o viu colocando a flor, tinha chegado mais cedo em casa, reconheceu ele da sala, e pediu para ele entrar na casa dela

-é você que coloca isso aqui todo dia?

-sim

-eu guardo todas, todos os dias. E mostrou um vaso enorme, cheio de rosas vermelhas.

O menino ficou sem ação, não sabia o que dizer, nunca se preparou para esse momento, ficou calado, simplesmente, ela se aproximou, e agradeceu, deu um beijo na testa dele e pediu para que ele se retirasse. Mesmo sem entender, ele se retirou.

No dia seguinte, eles conversaram na escola, eram companheiros de sala. Mas no intervalo, ela corria para os amigos, deixando-o sozinho mais uma vez. Passou o outono, as férias e o inverno, Amélia passou a ser a melhor amiga de Junior, contava tudo pra ele, sobre o namorado, os amigos, a escola, tudo. Amélia dizia que queria mais tempo com Junior, se ao menos eles tivessem se conhecido antes, tudo seria diferente, mas mesmo assim, ela corria para os braços do namorado dela, e o menino olhava, e sentia um pesar, vontade de fazer algo por ela, mas se sentia cada vez mais impotente, amava e queria ser amado.

Um belo dia, ia colocar a rosa na porta de Amélia, e o namorado careca dela o viu, surrou-o e disse que se o visse ali de novo, arrancaria a cabeça dele e colocaria uma rosa dentro. Amélia soube disso e falou que nunca mais poderia conversar com Junior.

Um dia, sem rosa, dois dias, sem rosa, dez, vinte, cento e noventa e cinco dias sem rosa, e chega uma correspondência na casa de Júnior, o tal coração chega, e uma carta explicando que Amélia teve de se mudar por causa do que sentia por Junior, que não podia voltar, temendo a reação de seu namorado, mandou uma foto também (a foto que vi), dizendo que estava bem, mas era melhor ficarem separados, a carta não tinha endereço nem assinatura.

Dês de então Junior fugiu de casa, carregando só o coração, a foto e as roupas do corpo, batendo de porta em porta, perguntando por Amélia.

Nisso o garoto chorava aos soluços.

-Junior, dias piores virão.

-Como pode ser pior?

-Acredite, pode ser bem pior.

Dei algum dinheiro para ele, mandei voltar para casa, seus pais deviam estar preocupados, disse que não ia ligar para a polícia, fiz ele prometer que ia voltar, deu as costas e mandei que jogasse o coração fora. Ele pareceu não ouvir. Um dia ele aprende, é jovem.

Cheguei em casa, desisti de procurar a verdade, não fazia mais sentido. Sentei na minha cama, nem acendi a luz, chorei, chorei pelo garoto, chorei por mim mesmo, chorei por todos os corações partidos, chorei por toda a felicidade desperdiçada, chorei por um mundo que não tem lugar pros sensíveis, só para os brutos. Chorei, pois aquele garoto era eu.



Conto dedicado a Kell, minha amiga, companheira de crises existenciais que eu nunca vi, mas que sempre me deu uma força quando eu precisei (em tão pouco tempo que conheço ela), que também chorou pelo menino e pela humanidade.