quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Ele era estudante de medicina, comprometido, estudava aos fins de semana, trabalhava durante o dia num lava-rápido pra descolar o dinheiro pros livros (seu pai pagava a faculdade), mas Henry tinha um sonho: construir castelos de areia, ele sonhava com castelos altos como prédios, castelos que nenhuma onda seria capaz de derrubar, que se ergeriam e ficariam dias, semanas, anos em pé, turistas tiravam fotos, repórteres fariam matérias, nos seus sonhos era glorioso.
Ela estudava filosofia, era formada em línguas, havia ensinado inglês pros monges do Nepal. Ela não tinha sonhos, ela vivia um grande e longo sonho.
Conheceram-se no lava-rápido, Henry lia um livro de anatomia e tomava notas, ela chegou de fininho e colocou a cabeça no meio do livro, quando perceberam já estavam se beijando no banco de trás do carro dela. como devia ser, enamoraram-se.
Um dia ele contou seu sonho a ela, pensando que ela daria risada por ser algo tão idiota, ela não riu, disse que seria a coisa mais linda do mundo construírem seus castelos juntos, em todas as praias do mundo, onde todos veriam a grandiosidade dos castelos de areia...
Decidiram então parar de sonhar, ela arrumou um emprego, ele terminou a faculdade. Ela começou a trabalhar numa escola de línguas para adultos, ensinando Italiano e Francês para adultos. Ele terminou a faculdade e abriu um consultório na cidade, tornou-se um médico famoso, era obstetra, fazia os partos das famosas da novela. ganhavam muito dinheiro juntos.
Os anos passaram. 1 ano virou 2. 2 viraram 5. 5 viraram 10. 10 viraram 25.
Após 25 anos casados, Henry e Sueli ficaram conhecidos, ela abriu a própria escola, e ele atendia mais de metade das grávidas da comunidade.
No dia 12 de novembro de 2010 (após 25 anos, 3 meses e 14 dias casados), Sueli voltava da escola, trazia um presente para Henry, num embrulho vermelho, laçado com uma fita verde, era aniversário dele, ela trazia uma primeira edição de seu livro favorito, assinada. Ela cantava alto junto com o rádio, estava realmente feliz.

Ele nunca chegou a saber o que era no pacote.

Na lápide, Henry mandou escrever "Sueli. Viveu o sonho da maneira que quis. E foi feliz assim". Chorou pela mulher que amava. Chorou pela vida perdida. Chorou porque ela foi feliz de verdade. Chorou por que nunca construiu o castelo de areia.
Dois dias depois do velório, Henry deixou uma carta na mesa de sua secretária, deixou dinheiro para a moça e mandou fechar o consultório. Pegou umas 5 trocas de roupa e fez uma mala e pegou o 1º avião para o litoral.
E então Henry, com 49 anos, viúvo, ex-obstetra construiu seu primeiro castelo de areia.


Henry se ajoelha do lado do majestoso castelo, o sol brilha vermelho atrás da torre do castelo, o por do Sol como nunca havia visto marca Henry, uma lágrima desce pela face agora barbada e cai no peito. Lembra de Sueli, lembra do lava-rápido, lembra de seu cheiro, lembra do seu consultório, lembra do acidente de carro que levou sua vida, lembra de como ela era feliz ao seu lado, lembra de como tinha inveja dela, lembra de ter escolhido sua melhor roupa para o enterro (um vestido verde, como ela gostava daquele vestido).
Henry tenta gritar a plenos pulmões o grito que esteve entalado por 25 anos em sua gargante, algo que nunca disse ou mencionou.
Mas a voz não sai.
Então chora pela humanidade perdida.
Chora pelo sonho realizado.
E pela muher que he deu coragem pra isso.
E, pela primeira vez.
Chora de felicidade.

3 comentários:

  1. Chorei rios...
    Nem sei o que comentar, só que os dois personagens são meu casal preferido, pena que o henry nunca vai saber o que a Sueli também tinha a dizer pra ele.
    E eu não tenho de verdade palavras, sorry.

    Eu te amo

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  2. Quando eu li: "E então Henry, com 49 anos, viúvo, ex-obstetra construiu seu primeiro castelo de areia." eu disse: "devia ter acabado aqui." Mas dai continuei a ler *obvio* e entendi que nao deveria ter acabado, a ultima parte era e essencial.

    Eu tenho uma amiga que me ensina a nao deixar os sonhos pra depois e toda vez que eu leio algo assim eu me inspiro ainda mais a levantar a bunda e agir.

    Lindo texto, adoro seus textos. Licao #1 do dia.

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  3. Que história triste... me lembrou o clima que eu saí do cinema quando assisti Up da disney...
    triste, muito triste...
    Mas o que seriam dos momentos de alegria, se não tivéssemos momentos de tristeza?

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